POEMA AO CLIENTE     

 

 

  

Você está precisando de ajuda e me procura

Você entra, senta e olha para mim

Sinto nos seus olhos que você está com medo

Algo lhe diz que você está começando uma empreitada muito difícil

E você só não corre,

Porque a sua necessidade é maior do que seu medo

Eu também estou com medo

Não sei o que surgirá deste nosso relacionamento

Não sei se poderei lhe ajudar

Ou se minhas limitações

me impedirão de mergulhar profundamente

neste mar que ambos desconhecemos

 

Você diz que não sabe nada de si

Espera que eu tenha algo para lhe dizer

Que eu lhe diga como você é

Mas eu também não sei

Meu trabalho é percorrer estradas

Mas a sua estrada que é única e peculiar

Eu não conheço

 

Você me pede que eu vá à frente lhe guiando:

“Já tropecei demais

e estou cansado demais prá acertar qualquer coisa”,

me diz quase suplicante

Sua súplica bate no meu peito

e se transforma numa vontade muito forte de ajudá-lo

Mas sinto que o melhor é você ir à frente

Experimentando os caminhos

Enquanto eu tento lançar luz

A cada passada que você dá:

“É por aqui – diz você tateante

Não, não é, me enganei. Deve ser por ali

Oh! também não”

Você olha para mim

E sugere que eu conheça o caminho melhor que você

De fato eu não conheço

Só por isso não vou à frente

 

Com impaciência você tenta outro caminho

E depois outro, outro e mais outro

Seus olhos brilham, seu corpo se acende

E você exclama: “Achei! Achei!”

 

Estou emocionado

Fico feliz

Você me fala da sua loucura, do seu medo, das suas culpas

E das cargas que carrega aos ombros com dificuldade

Eu estou às voltas com a minha própria loucura

Que é na verdade meu medo de SER

SER inteiramente

Mas a minha certeza de que arriscar vale a pena

Me dá as condições

Para que eu lhe ajude a se desvencilhar da sua loucura

Você hesita

Porque necessita dela para se defender

Ser adulto, responsável e criativo

E dar amor

São experiências gratificantes

Mas dão muito trabalho

E você prefere ficar onde está.

 

Eu espero

Você me instiga

Mas eu espero

Aprendi que esperar é mais eficaz do que agir

quando não é chegada a hora ainda

Você emperra

Eu aguardo

Você se encolhe

Eu espero

Você me agride

Me diz que sou insensível, cruel, desumano

Que meu coração é de pedra

E que a minha indiferença é doentia

Me insulta, me detrata,

Procura me atingir de todos os modos

Não me abalo

Porque não é para mim que você está falando

Aguardo apenas

Que você vomite o demônio que lhe azeda por dentro

Para que surja o lindo anjo que existe dentro de você

O lindo anjo que é poeta, que ama e acredita nas pessoas

O anjo que é eternamente sorriso

E eternamente criança

Que sabe que viver vale a pena

E que os problemas são um brinquedo malvado

Que os homens sérios demais e preocupados demais

Criaram para sofrer  e fazer sofrer

Que o seu corpo é um mundo maravilhoso

Donde fluem constantemente sensações de êxtase

que você sufoca

Que dentro de toda solidão não somos sós

Que o encontro existe

E que ainda é tempo de se andar de mãos dadas pelas ruas

Cantarolando lindas canções infantis

Chutando pedrinhas

E cheirando flores no caminho

 

Mas você está muito amargo

Seu ranço ainda amarga na boca

E é necessário que você esbraveje muito

E grite e chore e esperneie e maldiga e pragueje

Para poder se purificar

E viver plenamente

A experiência de ser uma pessoa completa

 

O caminho é longo demais

Minha paciência e minha fé

São testadas a cada instante

Mas uma certeza maior dentro de mim me diz

Que enfim, em algum momento

Você surgirá

Despertará de dentro do seu porão sombrio

E sentirá o sol brilhando ardentemente lá fora

Colorido

No rosto das pessoas que passam

E nas flores que enfeitam o caminho

Mas nada disso posso lhe dizer

Soaria falso e artificial 

É preciso que você destile toda sua dor

Chore o choro guardado durante toda a vida

Viva todos os gestos abortados

Para que você compreenda uma nova linguagem

Onde são verdadeiras

Palavra tais como paz, tranqüilidade, amor

Encontro, esperança, prazer

Alegria, confiança

Uma linguagem que será criada por você

E onde cada palavra terá um peso

Que é o peso que você lhe confere

 

Chega o momento de mergulhar mais profundamente

Naquilo que você é

Você novamente recua

Tem medo

Rodopia, gira em círculos, se perde:

“Estou pior

muito pior que antes”

Novamente me agride e me instiga

Se desespera

(Desesperar não é esperar)

Eu espero

E encantadoramente você surge!

Novamente me emociono

 

Finalmente, pouco a pouco

Uma pessoa verdadeira e completa vai surgindo

Uma pessoa que ama e odeia

Que é forte e fraca

Alegre e triste

Corajosa e covarde

magnânime e misantropa

Altruísta e egoísta

Boba e brilhante

Criativa e torpe

Que é os dois polos de si própria

E não a oposição deste dois polos

Uma pessoa que ri e chora

Que esbraveja e acaricia

Que grita e canta

E que é a superação de si própria em cada momento

 

Me surpreendo me sentindo como o artista

Que vê o esboço de sua tela

Ganhando forma e ganhando vida

As cores se afirmando e as imagens se completando

Numa harmonia cada vez mais próxima da perfeição

Me sinto como o poeta

Que vê seu poema afluindo

E por assim dizer conduzindo sua pena

Que desliza suavemente sobre o papel

O poeta de lindos poemas

O poeta que canta a beleza e a harmonia

A paz e a alegria

Me sinto como o alpinista

Que está chegando ao fim de uma difícil escalada

Lembro-me dos homens que esquiam a velocidades espantosas

E dão saltos gigantescos sobre abismos mortais.

Que emocionantes e arriscadas são essas acrobacias!

Mas sinto que a aventura de penetrar no mundo subjetivo das pessoas

É muito mais fascinante e emocionante

Do que esquiar a velocidades espantosas

E mais arriscado

 

Você está feliz

Diz que sou maravilhoso, fantástico

Acha que sei todas as coisas

E que sou hábil em guiar as pessoas

Que sou forte e corajoso

Que só tenho sentimentos positivos

E estou eternamente tranqüilo

Que sou uma pessoa completa

Ledo engano

Sou a mais comum das pessoas

Não é de mim que você está falando

Mas do mundo maravilhoso

Que você está descobrindo dentro de você

 

Você sente que já pode caminhar sozinho

Mas,

Qual a criança que começa a andar

Você tem medo de se machucar

E novamente hesita

Eu já gosto de você

Me sinto alegre quando você chega

E sinto sua falta quando você não vem

Mas sei que é melhor que nos separemos agora

Me emociono como o pai

Que ouve a primeira palavra difícil do filho

Ou a primeira canjiquinha de escola

Você quer me levar consigo

E de fato, parte de mim

Vai com você

Também eu sou, em parte, um pouco de você

Suas experiências - que você me deu graciosamente - me ajudaram tanto

Que você nem pode imaginar!

Quantas vezes me poupei de dores pelas quais você passou

Graças a aprendizagem que tive com você

Que privilégio poder fazer este trabalho

Difícil, arriscado

Porém, belo, maravilhoso!

 

Muito obrigado por você existir

E por me ensinar mais uma vez

Que arriscar vale a pena

E que amar vale a pena!

 

Antônio Guino – Salvador, Bahia

                 Psicólogo formado em Pisotearia de Grupo e Piscaram com o professor Pierre Weil. Trabalhou em Rolf Gelewsky na Casa Sri Aurubindo, em Salvador. Dirige atualmente, um centro da mesma natureza, em Recife.

 

 

Aproveito para agradecer  à minha querida amiga Beth por ter me enviado este belíssimo poema.

Um beijão!

Tânia

 

 

 

 

 

 

 

 

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