As
Carícias e o Iluminado
Chega
de viver entre o Medo e a Raiva. Se não aprendermos a viver de
outro modo, poderemos
acabar com nossa espécie. É preciso começar a trocar carícias,
a proporcionar prazer, a fazer com o outro todas as coisas boas
que a gente tem vontade de fazer e não faz, porque “não fica
bem” mostrar bons sentimentos!
No nosso mundo negociante e competitivo, mostrar amor é
... um mal negócio. O outro vai se aproveitar, explorar ,
cobrar... Chega de negociar com sentimentos e sensações. Negócio
é de coisas e de dinheiro - e pronto! Bendito Skinner - apesar
de tudo! Ele mostrou por A mais B que só são estáveis os
condicionamentos recompensados; aqueles baseados na dor precisam
ser reforçados sempre, senão desaparecem. Vamos nos reforçar
positivamente. É o jeito - o único jeito - de começar um novo
tipo de convívio social, uma nova estrutura, um mundo melhor.
Freud
ajudou a atrapalhar mostrando o quanto nós escondemos de ruim;
mas é fácil ver que nós escondemos também
tudo o que é bom em nós, a ternura, o encantamento, o
agrado em ver, em acariciar, em cooperar, a gentileza, a
alegria, o romantismo, a poesia, sobretudo o brincar - com o
outro. Tudo tem que ser sério, respeitável, comedido - fúnebre,
chato, restritivo, contido ...
Há
mais pontos sensíveis em nosso corpo do que estrelas num céu
invernal.
“Desejo”,
do latim de-sid-erio ,
provém da raiz “sid” , da língua Zenda, significando
ESTRELA, como se vê em sideral - relativo às estrelas.
Seguir
o desejo é seguir a estrela - estar orientado, saber para onde
se vai, conhecer a direção...
“Gente
é para brilhar”, diz mestre Caetano.
Gente
é demonstravelmente, a maior maravilha, o maior playground
e a mais completa máquina neuromecânica do Universo conhecido.
Diz o Psicanalista que todos nós sofremos de mania de grandeza,
de onipotência.
A
mim parece que sofremos de mania de pequenez.
Qual
o homem que assume em toda a sua grandeza natural? “Quem sou
eu, primo...” Em vez de admirar, nós invejamos - por não
termos coragem de fazer o que nossa estrela determina.
O
Medo - eis o inimigo.
O
medo, principalmente do outro, que observa atentamente tudo o
que fazemos - sempre pronto a criticar, a condenar, a pôr
restrições - porque fazemos diferente deles.
Só
por isso. Nossa diferença diz para ele que sua mesmice não é
necessária. Que ele também pode tentar ser livre - seguindo
sua estrela. Que sua prisão não tem paredes de pedra, nem
correntes de ferro. Como a de Branca de Neve, sua prisão é de
cristal - invisível. Só existe na sua cabeça. Mas sua cabeça
contém - é preciso que se diga - todos os outros que, de
dentro dele, o observam, criticam, comentam - às vezes até
elogiam!
Por
que vivemos fazendo isso uns com os outros - vigiando-nos e
obrigando-nos - todos contra todos - a ficar bonzinhos dentro
das regrinhas do bem-comportado - pequenos, pequenos. Sofremos
de megalomania porque no palco social obrigamo-nos a ser, todos,
anões. Ai de quem se sobressai, fazendo de repente o que lhe
deu na cabeça. Fogueira para ele! Ou você pensa que a fogueira
só existiu na Idade Média?
Nós
nos obrigamos a ser - todos - pequenos, insignificantes,
inaparentes, “normais” - normopatas diz melhor; oligopatas -
apesar do grego - melhor ainda. Oligotímicos - sentimentos
pequenos - é o ideal...
Quem
é o iluminado?
No
seu tempo, é sempre um louco delirante que faz tudo diferente
de todos. Ele sofre, principalmente, de um alto senso de
dignidade humana - o que o torna insuportável para todos os próximos,
que são indignos.
Ele
sofre, depois, de uma completa cegueira em relação à
“realidade” (convencional), que ele não respeita nem um
pouco. Ama desbragadamente - o sem vergonha. Comporta-se como se
as pessoas merecessem confiança, como se todos fossem bons,
como se toda criatura fosse amável, linda, admirável.
Assim
ele vai deixando um rastro de luz por onde quer que passe.
Porque
se encanta, porque se apaixona, porque abraça com calor e com
amor, porque sorri e é feliz.
Como
pode, esse louco?
Como
pode estar - e viver! - sempre tão fora da realidade - que é
sombria, ameaçadora; como ignorar que os outros - sempre os
outros - são desconfiados, desonestos, mesquinhos,
exploradores, prepotentes, fingidos, traiçoeiros, hipócritas...
Ah!
Os outros...
(
Fossem todos como
eu, tão bem comportados, tão educados, tão finos de
sentimentos...) O que não se compreende é que há tanta
maldade num mundo feito somente de gente que se considera tão
boa. Deveras, não se compreende.
Menos
ainda se compreende que tantas famílias perfeitas - a família
de cada um é sempre ótima - acabe acontecendo um mundo tão
infernalmente péssimo.
Ah!
Os outros... Se eles não fossem tão maus - como seria bom...
Proponho
um tema para meditação profunda; é a lição mais fundamental
de toda a Psicologia Dinâmica:
Só
sabemos fazer o que foi feito conosco.
Só
conseguimos tratar bem os demais se fomos bem tratados.
Só
sabemos nos tratar bem se fomos bem tratados.
Se
só fomos ignorados, só sabemos ignorar.
Se
fomos odiados, só sabemos odiar.
Se
fomos maltratados, só sabemos maltratar.
Não
há como fugir desta engrenagem de aço: ninguém é feliz
sozinho.
Ou
o mundo melhora para todos ou ele acaba.
Amar
o próximo não é mais idealismo “místico” de alguns.
Ou
aprendemos a nos acariciar ou liquidaremos com nossa espécie.
Ou
aprendemos a nos tratar bem - a nos acariciar - ou nos
destruiremos.
Carícias
- a própria palavra é bonita.
Carícias
- Mãos deslizando lentas e leves sobre a superfície macia e
sensível da pele.
Carícias...
Olhar de encantamento descobrindo a divindade do outro - meu
espelho!
Carícias
... Envolvência ( quem não se envolve não se desenvolve),
ondulações, admiração, felicidade, alegria em nós -
eu-e-ele, eu-e-outros.
Energia
poderosa na ação comum, na co-operação.
Na
co-munhão.
Na
co-moção.
Só
a União faz a força - sinto muito, mas as verdades banais de
todos os tempos são verdadeiras - e seria bom se a gente
tentasse FAZER o que elas sugerem, em vez de, críticos e céticos
e pessimistas, encolhermos os ombros e deixarmos que a espécie
continue, cega, caminhando em velocidade uniformemente acelerada
para o Buraco Negro da aniquilação.
Nunca
se pôde dizer, como hoje: ou nos salvamos - todos juntos - ou
nos danamos - todos juntos.
J. A. Gaiarsa
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